Queridos leitores do blog do Educandário Humberto de Campos,
Hoje, mergulhamos na emocionante história de um dos espaços mais emblemáticos da Cidade da Fraternidade e do Educandário Humberto de Campos: a Cozinha Coletiva, carinhosamente chamada de “Coletiva”. Esta narrativa chega até nós pelas memórias vívidas de Romilda Rinco, uma das pioneiras da comunidade, primeira diretora do EHC, cujos relatos em áudio, feitos por ela à equipe de comunicação em junho de 2025, foram verdadeiros tesouros sobre a nossa fundação.
Romilda se aproximava dos 90 anos. Com a mente já cansada, mas com muita sensibilidade, ela se dispôs a narrar como nasceu e por que nasceu esse espaço que viria a se tornar um coração da vida comunitária.
A chegada e os primeiros passos (Maio de 1964)
A história da Coletiva começa em maio de 1964, quando Romilda e seu esposo, Andaralécio, deixaram a cidade de Espírito Santo do Pinhal (SP) e chegaram ao Planalto Central, no município de Alto Paraíso de Goiás. O local, imerso no cerrado, tinha a missão de construir uma cidade dedicada ao acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade, atendendo a um pedido da OSCAL.
Nelson, o primeiro a chegar, vivia sozinho num pequeno barraco de madeira com um fogão a lenha. José Carlos Arantes, que o acompanhara por um tempo, já havia partido. E foi com Nelson que começaram a cozinhar juntos — para evitar o trabalho dobrado das “comidinhas separadas”, apesar das diferenças de gosto. Este simples gesto deu origem à semente da nossa Cozinha Coletiva.
Romilda lembra que, em 1967, já tinham uma casa de alvenaria construída. A observação atenta das necessidades da vida comunitária preparava o terreno para o nascimento de um espaço comum de alimentação e encontro.
O nascimento da Cozinha Coletiva Irmã Veneranda
Com o tempo, o hábito de comerem juntos revelou-se um momento valioso de convivência. Conversas, cantos e sorrisos tornaram aquele local alegre e significativo para todos. Assim nasceu a ideia de uma “cozinha coletiva”. Como já existia o centro chamado Grupo da Fraternidade Irmã Veneranda, decidiu-se manter esse nome: Cozinha Coletiva Irmã Veneranda.
A horta da comunidade Recífra já começava a produzir fartamente, enviando verduras e legumes, e todos passaram a comer um pouco melhor.
Desafios e organização
Com o crescimento da comunidade, vieram também os desafios. Um dos pontos que exigiu bastante diálogo foi a alimentação: havia uma diretriz para que não se consumisse carne. Enquanto alguns hábitos eram facilmente adaptados, a ausência de carne foi sentida por muitos, o que demandou um trabalho coletivo de sensibilização e conscientização sobre hábitos alimentares mais saudáveis.
Apesar disso, o espírito de aprendizado e transformação era forte. “Estávamos todos aqui para aprender uma vida nova, mais coletiva e simples”, relembra Romilda.
Equipes e o trabalho colaborativo
Com a chegada de mais moradores, percebeu-se que, se todos comiam da mesma comida, todos deveriam participar do mesmo trabalho. Foram então criadas equipes semanais, compostas por moradores de cada lar — inclusive as crianças maiores — que se revezavam no preparo das refeições, desde o café da manhã até o jantar.
Na véspera, a equipe se reunia para planejar o cardápio, adaptando-se às poucas opções disponíveis. Às seis da manhã do dia seguinte, já estavam em ação na cozinha.
A merenda escolar e a ampliação da estrutura
A escola, nosso EHC, precisava fornecer alimentação às crianças, que percorriam entre 5 a 6 km para chegar às aulas e passavam o dia na instituição. Por isso, foi construída uma cozinha ao lado da escola, onde se preparavam o café da manhã, almoço, lanche da tarde e, quando possível, uma sopa na saída.
No entanto, a escassez de mão de obra era um grande desafio. Os mesmos poucos moradores faziam de tudo: cozinheiros, faxineiros, professores e hortelões. “Todo o serviço era para nós três”, relembra Romilda.
Em 1967, a chegada de Juarez Cavalhieri, vindo de Pinhal, trouxe alívio ao esforço coletivo. Foi nesse ano também que os irmãos de Brasília, sensibilizados pelas dificuldades da comunidade e liderados por João Rabelo, decidiram ampliar a estrutura da cozinha. Assim nasceu o espaço definitivo, capaz de atender tanto moradores quanto alunos, mesmo com o crescimento constante.
Um legado vivo
Romilda, hoje afastada da Cidade da Fraternidade por estar dedicada a outro trabalho com crianças na sede de Alto Paraíso, encerra seu relato com esperança. Ela acredita que a Coletiva Irmã Veneranda continua viva, com os mesmos princípios de colaboração e solidariedade.
A história da Coletiva é também a história da Cidade da Fraternidade: de dedicação, superação, compromisso social e partilha. Um espaço que nasceu da necessidade, cresceu com o esforço de todos e se tornou símbolo vivo dos valores que sustentam nossa comunidade.
Com carinho,
Equipe do Educandário Humberto de Campos