Crise de Raiva e Agressividade em Crianças: O Que Fazer — e, Sobretudo, o Que Evitar, Segundo Mayra Gaiato

Getting your Trinity Audio player ready...

Lidar com os momentos em que a criança se desorganiza emocionalmente e expressa frustração por meio de explosões comportamentais — como chorar intensamente, gritar, bater ou chutar — é uma realidade comum na infância. Nessas situações, o objetivo não deve ser apenas interromper o comportamento, mas, sobretudo, ajudar a criança a reencontrar seu equilíbrio emocional.

Contudo, há uma linha tênue entre oferecer apoio e, inadvertidamente, validar estratégias comportamentais ineficazes. Mayra Gaiato, especialista em desenvolvimento infantil, é clara sobre o que realmente funciona e o que, embora pareça inofensivo, pode trazer prejuízos a longo prazo.

❌ Nunca Recompense o Comportamento Inadequado

A regra fundamental em momentos de crise é: não se deve recompensar atitudes desajustadas. Segundo Gaiato, recompensar significa oferecer alguma consequência positiva — como um alívio imediato, um objeto desejado ou a reversão de uma negativa — logo após um comportamento disruptivo, como bater ou gritar.

Por que isso é problemático? Porque o cérebro da criança faz associações rápidas: “Quando ajo assim, consigo o que quero. Logo, vale a pena repetir.” Mesmo que haja uma bronca ou sermão, se no final a criança obtiver algum ganho, o comportamento será registrado como eficaz e tenderá a se repetir.

Um exemplo recorrente é quando a crise surge após o desligamento de um eletrônico. Se, diante do colapso emocional da criança, o aparelho é devolvido para “acalmar”, o cérebro associa o comportamento explosivo ao sucesso da estratégia. Esse ciclo se intensifica especialmente quando os cuidadores estão cansados, despreparados ou se sentem impotentes frente à situação.

🤝 Rede de Apoio Alinhada: Um Pilar Essencial

É fundamental que todos os envolvidos no cuidado da criança — como avós, babás e professores — estejam alinhados com essas práticas. Quando uma parte da rede de apoio cede, por exaustão ou desconhecimento, isso enfraquece o processo educativo e consolida padrões disfuncionais.

Cada vez mais, nota-se o uso de dispositivos eletrônicos como calmantes imediatos. Ao oferecer um celular com vídeo para conter uma crise, há uma resposta química imediata no cérebro infantil: dopamina em altos níveis. Porém, essa “solução” cria dependência de estímulos externos, impedindo o desenvolvimento da autorregulação emocional — algo análogo ao mecanismo de vícios em substâncias psicoativas.

📏 Consistência é Autoridade

Outro ponto crucial é a coerência entre o que se diz e o que se faz. Se uma orientação foi dada ou algo foi negado, é fundamental sustentar a decisão. Ceder em meio à crise invalida o comando anterior e comunica à criança que a persistência no comportamento inadequado pode funcionar como estratégia de convencimento.

O mesmo vale para o uso de “soluções extrínsecas” como tablets ou TV para interromper crises rapidamente. Embora compreensível — é angustiante ver a criança em sofrimento —, essas saídas representam atalhos de curto prazo com alto custo no desenvolvimento emocional futuro.

✅ E, Afinal, o Que Fazer?

Se recompensar comportamentos inadequados e recorrer a distrações tecnológicas não são opções saudáveis, o que podemos, de fato, fazer durante uma crise?

Espere e Proteja
Tenha paciência para aguardar o término da crise. Enquanto isso, garanta que a criança não se machuque nem machuque os outros.

Esteja Presente e Apoie Emocionalmente
Sua presença é essencial. Fique perto e verbalize com acolhimento:
“Sei que está difícil, mas estou aqui com você. Vamos passar por isso juntos.”

Adapte o Ambiente
Reduza estímulos sensoriais — luzes fortes, sons altos, objetos irritantes — e promova um espaço de calma.

Ofereça Conforto Físico (se aceito)
Um abraço, um colo ou simplesmente um toque gentil pode transmitir segurança, desde que a criança aceite esse contato naquele momento.

🧠 Construindo Novas Conexões

Não ceder à birra nem utilizar recursos eletrônicos como calmantes não é apenas uma questão de disciplina — trata-se de construir conexões neurais saudáveis. Cada escolha educativa fortalece, no cérebro da criança, a capacidade de se regular, pensar antes de agir e confiar em vínculos seguros.

As desregulações infantis exigem dos adultos paciência, firmeza e conhecimento. O caminho é ajudar a criança a desenvolver suas próprias ferramentas de autorregulação, com suporte consistente e empático. Evitar atalhos é investir na autonomia emocional e na saúde mental futura.